Nem sempre as grandes experiências da vida te arrebatam logo em um primeiro momento. Quando meu filho nasceu eu passei por alguns momentos de confusão sobre o que vivia até compreender o que era aquilo. Fui um pouco longe aqui, porque não dá para comparar um filho com uma grande experiência cultural.
Lembro quando fui ao MASP pela primeira vez e fiquei maravilhado ao ver a pintura de Monet das mulheres remando um barco para fora do quadro. Ou quando vi a noite estrelada de Van Gogh. São dois fatos que fazem com que tanto o MASP, quanto o Museu D'orsay estejam entre meus passeios favoritos em todos os tempos. Foram grandes experiências que não me pegaram no momento em que entrei em uma sala e vi algum quadro. A trajetória e esses momentos específicos ajudaram a construir essa jornada mística provocada pela arte.
Lembro que o Show do Paul McCartney me pegou de vez no momento em que o refrão de Something ecoou pelas arquibancadas do Maracanã. Já o show do Radiohead me deixou de joelhos logo que o jogo de luzes se acendeu em Daydreaming, a primeira música. Quando vi o Oasis em 2006 fui catapultado para outra dimensão no início de Turn Up The Sun. Já o de 2009 me deixou completamente alheio, mesmo com todo o congraçamento de Don't Look Back in Anger.
Com o Wilco, no glorioso dia 25 de maio de 2025, demorou um pouco, mas nem tanto. Company in My Back e Evicted são boas músicas e ajudam a perceber que essa banda, tão importante na minha vida, estava na minha frente, no palco, separada por 18 pessoas de distância.
Mas o momento da graça ocorreu em Handshake Drugs. Olha que essa não é a minha música favorita. Não está no meu top 10 do grupo, nem no Top 20. Quiçá no Top 50. Mas ali quando Jeff Tweedy canta pela primeira vez "the handshake drugs I bought downtown", tudo mudou. A música começa a crescer e, enquanto Jeff canta uma doce melodia, Nels Cline, Glen Kotche e Pat Sansone fazem um barulho desgraçado.
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Aqui eles estavam cantando I Am Trying to Break Your Heart |
O Wilco, o grande Wilco, afinal, é isso: um caldo de folk rock e country, com influência de Beatles, Neil Young, Bob Dylan e Power Pop, mas centrifugado com um experimentalismo barulhento, apoiado em letras emotivas, confessionais e existencialistas.
Minha história com o Wilco mesmo não foi de amor à primeira vista. Conheci a banda em 2004, quando era estudante do terceiro ano do Ensino Médio e consumia vorazmente sites como Abacaxi Atômico, Scream Yell e Dying Days. Representavam para mim a mesma coisa que a revista Bizz significou para quem era um pouco mais velho.
Na época quando você queria conhecer um artista, o caminho mais fácil era entrar em uma rede de compartilhamento de dados - Emule ou Kazaa - e fazer uma busca pela banda. Eu gostava de baixar as três que apareciam no topo da lista, previamente aprovadas pela curadoria da pirataria popular. Foi numa dessas que escutei How to Fight Loneliness, que confesso, não me surpreendeu.
Foi no ano seguinte que eu conheci Jesus, Etc. E aí meu amigo, aí foi obsessão. Essa foi uma daquelas músicas que me fez ter a sensação, desde o início, de que eu havia entrado em contato com uma obra prima. Em uma viagem a São Paulo no começo do ano, um pouco antes do início da faculdade, achei uma cópia do Yankee Hotel Foxtrot na FNAC da Avenida Paulista e comprei. Ou, meu pai comprou, duvidando que o investimento de uns 35 reais talvez não fosse válido (atualmente 125 reais com a correção inflacionária).
Foi um momento de transição, no qual eu deixei de ser um estudante do Ensino Médio fã de Oasis, para ser um universitário fã de Wilco. Não que eu tenha abandonado o passado. O que eu era é também o que eu sou, o Rodrigo Amarante deve cantar algo parecido com isso. Mas o fato é que fiquei obcecado com o Yankee Hotel Foxtrot e o álbum inteiro estava no meu MP4 que ouvia no ônibus entre a faculdade e minha casa.
Pouco tempo depois eles lançaram o Sky Blue Sky, disco que a essa altura era baixado em compartilhadores de arquivo como MediaFire ou RapidShare. Links que expiravam rapidamente e cujo download demorava mais do que o tempo que levava para escutar o álbum. Foi o momento em que, de certa forma, cheguei a conclusão de que aquela seria minha banda favorita.
Entre outras coisas, o Wilco podia ser a minha banda. Não era como Oasis, White Stripes, Nirvana ou mesmo Queens of the Stone Age que tocavam na MTV e as pessoas conheciam e gostavam ou odiavam sem muito aprofundamento. O Wilco tinha uma cara de tesouro perdido, algo que você precisava realmente CONHECER. Estudar talvez. Fazer uma pós-graduação. Não havia um fórum para debater sobre a banda, um site de fã-clube ou uma comunidade do Orkut ativa. Era o caminho do autoconhecimento.
Voltando ao show, ele é tudo o que sempre falaram do Wilco. É difícil explicar para alguém que não seja convertido, qual é a magia em ver seis cidadãos desajeitados que se aproximam da terceira idade e tocam seus instrumentos de maneira virtuosa. Mas, como não se identificar com alguém cantando "Tudo bem que você diga o que você quer de mim, acho que essa é a única forma de seu ser exatamente o que você quer que eu seja". Ou com o romantismo sincero de I'm The Man Who Loves You e a novata Annihilation? Ou o universalismo de um verso como "o nosso amor é tudo o que temos. Todos somos um sol queimando"?
A magia do Wilco, afinal, está na identificação e senso de pertencimento que proporciona. São músicas que de certa forma fazem parte de quem você é. Exatamente o que você quer.
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