O ex-presidente uruguaio Pepe Mujica foi uma das maiores figuras dos tempos que vivemos. Apareceu para o mundo ao assumir a presidência do seu país, quando já tinha 75 anos. Ex-guerrilheiro de esquerda, que ficou preso por quase 13 anos durante a ditadura militar uruguaia, demonstrava o tempo todo uma serenidade que parece incompatível com a guerrilha.
Talvez pela idade, não sei, mas Mujica se transformou em um guerrilheiro das palavras. Não governou com vingança contra aqueles que mal o fizeram, mas com ponderação. Era alguém capaz de tomar medidas que talvez não gostasse, por entender que era o que deveria ter sido feito. Era alguém pragmático nas miudezas, mas radical em seus princípios.
Esta talvez seja sua principal virtude, em um tempo no qual a esquerda, pelo menos a brasileira, é pragmática nos princípios, mas radical nas pequenas coisas.
Um velhinho meio desajeitado, falava com aquele ar grave e cheio de sabedoria, como se fosse um velho personagem de um livro de Garcia Márquez. Não duvida que seu sobrenome fosse Buendía e que um dia tenha habitado Macondo. Filósofo da sabedoria, suas frases eventualmente viralizavam e eram compartilhadas em vídeos nas redes sociais. Alcançavam até quem não era de esquerda.
A mais famosa de todas é aquela que diz que "a vida não é só trabalho", o que dito em seu espanhol grave soa como uma máxima indiscutível da vida. Utilizava seu lado reflexivo para criticar a sociedade de mercado, dizendo que ele é que nos governava, questionar as práticas de consumo da civilização e chamar a atenção para o fato de qualquer crise que exista é, sobretudo, uma crise política.
Ateu, dizia que viemos do silêncio mineral e para eles voltaremos. Soa irônico ver cartuns mostrando ele indo para um céu que não acreditava. Sua máxima de que a vida foi feita para sermos felizes seja talvez o princípio básico do ateísmo. Não estamos aqui para cumprir uma série de metas que nos proporcionaram a vida eterna ao lado do criador, mas sim para sermos felizes. A felicidade basta e ela só é alcançável quando fazemos as coisas que nós gostamos.
Sua descrença em deus tornaria nulas as chances de que ele fosse eleito presidente em um país como o Brasil. O que faz com que sua presidência no Uruguai pareça uma experiência, um conto de literatura latino-americana.
Sua lucidez e ponderação se mantiveram até mesmo diante da morte inevitável. A morte é o destino final da vida, mas as incertezas que a cercam podem perturbar qualquer um. Mas, o mundo continuaria girando sem você.
Pobre é quem não se satisfaz com nada. Porque estes entram em uma corrida infinita e não terão tempo suficiente para isso. O tempo acabou e ao líder uruguaio só resta o silêncio mineral inevitável.
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