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Algumas considerações sobre Get Back

Após algumas sessões e alguns fins de semana, terminei de ver Get Back, o documentário revelador de Peter Jackson sobre o processo de gravação do álbum Let it Be.

A história é conhecida: após o desastre emocional do White Album, os Beatles retornam para um novo projeto, com uma equipe de filmagem acompanhando todos os passos, na expectativa de lançar um filme, uma série, um programa de TV sobre o processo, que terminaria em um show em algum lugar.

Oficialmente o projeto foi um desastre, ratificado pelo filme lançado pelo diretor Michael Linday-Hogg. Tudo o que sabíamos era sobre a presença fantasmagórica de Yoko Ono, a rispidez entre George Harrison e Paul McCartney.

Sim, há tudo isso nas sessões, mas o que Get Back traz como novidade é que por trás disso tudo havia uma banda trabalhando. Trabalhando duro. Discutindo acordes, notas, melodias e harmonias, em busca do excepcional padrão de qualidade que a banda sempre teve.

O filme pode ser, por vezes, cansativo. Como bom fã, Peter Jackson encheu o filme de cenas por vezes exageradas dos ensaios, mas que ajudam na composição do caleidoscópio criativo. Por vezes emocionam, por vezes esclarecem dúvidas, nos mostram um cotidiano inimaginável, uma proximidade inacreditável com a maior banda de todos os tempos.

O fim, é claro, estava próximo. Mas Let it Be não parece ter sido o ponto decisivo para esse fim. No fim das contas, parece que o processo foi satisfatória e as tensões decorrem muito mais do afastamento natural entre pessoas, do interesse por assuntos diferentes que afastam amigos de uma base comum de afinidade.

O grande conflito, me parece, é que Paul McCartney estava cansado de fazer apenas álbuns. Queria fazer algo mais, queria alguma megalomania, um projeto ambicioso, integrar filme, música e espetáculo. Tocar em um anfiteatro na Líbia, gravar um especial de natal, ter sua intimidade desvendada. Os outros, ao que parecem, apenas se divertiam tocando música e gravando álbuns. Apenas mais um álbum, na opinião de Paul.

Tal inquietude se manifestou em sua carreira solo, quando resolveu montar um estúdio na Nigéria para gravar Band on the Run, nas Ilhas Virgens para gravar outro disco, enquanto John e George preferiram se reunir com amigos em suas próprias casas para gravar seus melhores trabalhos solo.

Talvez abismado com sua capacidade de composição à época (havia acabado de lançar Hey Jude, tinha Let it Be engatilhada no bolso, entre outros clássicos), Paul exala confiança e por vezes é insuportável. Seu comportamento com George no primeiro capítulo faz com que seja plenamente aceitável o abandono da banda por parte deste último.

Enquanto John e George se parecem mais abertos a aceitar sugestões para músicas, Paul parecia sempre com ideias prontas e apenas guiava os outros sobre o que deveriam fazer. No processo sobra até uma patada no extremamente polido George Martin.

Há um momento bem irritante quando, na véspera da data marcada para o show no telhado, Paul parece querer desistir de tudo por achar que o resultado não seria o que ele queria, seria "apenas mais um álbum". Nesse momento, o pragmatismo de John "vamos tocar lá e ver  que dá", foi importante para gerar o show histórico.

Outro aspecto muito falado, a onipresença de Yoko Ono, se dissipa aos poucos. Se ela não desgrudava de John durante as sessões no estúdio de Twickenham, aos poucos ela se dissolve no ecossistema local e no fim, sua presença é tão marcante quanto a de outros amigos e esposas.

A mudança para os estúdios da Apple, aliás, é ponto fundamental para que o processo ande. O ambiente mais acolhedor parece trazer nova luz para os membros, John parece mais participativo, é feito um esforço para escutar George e suas contribuições, enquanto Ringo continua sendo uma pessoa extremamente agradável.

(Pobre George. Como ninguém prestou atenção que ele tinha coisas como All Things Must Pass e Isn't It a Pity prontas para serem gravadas).

E por fim, há o show. Impossível não se emocionar com eles ali, juntos. A introdução de Get Back se torna ainda mais poderosa, I've Got a Feeling ganha ainda mais valor por conta do esforço empreendido e é impressionante como eles acertaram a versão de Don't Let Me Down.

(Aliás, impressiona que Lindsay-Hogg não conseguisse ver nenhuma história em todo esse processo. Prova de que ele provavelmente fosse um bom diretor de imagens, mas não sabia contar uma história).

Há ainda toda a graça no grande processo de enrolação dos policiais, empreendida pelos funcionários da Apple. Os pobres homens da lei ficaram ali, mais de meia hora, sendo tapeados por diferentes pessoas que se passavam por desentendidas.

Com um outro olhar sobre um processo traumático, Get Back melhora o entendimento e o gosto por Let It Be e mostra que, incrível, sempre há mais assuntos relacionados aos Beatles para serem explorados.

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