Pular para o conteúdo principal

Essas memórias

Sentando no meu colo, meu filho começa a rir por algum motivo qualquer. Pode ser um barulho que eu fiz, ou alguma impressão visual que o deixou excitado. Tento observar algum padrão, mas, com raras exceções, o humor de um bebê de cinco meses é um tanto quanto imprevisível.

Mas o fato é que sua risada é a coisa mais empolgante do mundo. Realmente nada mais importa e, se fosse possível, eu ficaria o dia inteiro ali esperando que ele risse ou emitisse barulhos engraçados enquanto descobre a imprevisibilidade do mundo.

Ter um filho pequeno te faz pensar no passado. Pensar que um dia você foi esse bebê encantado com um monte de coisas que hoje parecem completamente previsíveis e repetitivas. Um dia você mediu 65 cm e ficou rodando de um lado para o outro, tentando descobrir padrões e sentindo alegria, medo, ou o que é que fosse, da luz que se acende misteriosamente, de objetos inominados que estão sempre presentes ao seu redor, girando, fazendo barulhos, estáticos, monótonos ou ameaçadores. Que mistérios se passam na cabeça de um bebê, que mistérios se passaram pela minha cabeça? O que pensávamos quando ainda não sabíamos as coisas que sabemos agora?

Mas também penso no agora e no futuro. Nesses momento que poderia ser eterno mas vai acabar. Assim como as memórias que vão acabar. Queria ser mais disciplinado e anotar vários marcos de desenvolvimento do meu filho. O dia em que ele passou a me acompanhar com os olhos. A primeira vez que riu voluntariamente, quando eu tive certeza que ele me reconhecia. Que a primeira coisa que ele comeu na vida dele foi uma maçã e era um domingo. Mas acabo consumido pelo resto da vida e temo que um dia tudo isso vai desaparecer.

Eu posso não me lembrar e, mesmo que eu lembre, um dia não estarei mais aqui e meu filho é que não vai se lembrar de nada. E mesmo que sua memória seja prodigiosa, ele também um dia não vai estar aqui.

Para que tudo isso acontecesse, pessoas entraram em barcos rumo ao desconhecido, atravessaram o sertão para chegar em um lugar que ainda mal existia, enfrentaram o frio a fome e a solidão e quantas coisas não se passaram em suas cabeças e nada disso existe mais.

Meu filho, que ainda não sabe dessas coisas todas, apenas ri.

Comentários

Postagens mais visitadas

Fuso Horário

Ela me perguntou sobre o fuso horário, se era diferente do local onde estávamos. Sim, informei que Mato Grosso está uma hora atrasado em relação ao Ceará. Perguntou se sentíamos alguma diferença, tive que falar que não. A pergunta sobre o fuso horário foi o suficiente para uma pequeno comentário sobre como lá no Ceará o sol se põe cedo e nasce cedo. Isso é exatamente ao contrário do Paraná, de onde ela veio, onde o sol se põe muito tarde. Ela demorou para se acostumar com isso. Não é nem seis da tarde e o sol se pôs. Não é nem seis da manhã e o sol já está gritando no topo do céu. Pensei por um instante que esse era um assunto de interesse dela. Que ela estava ali guiando turistas até um restaurante não facilmente acessível em Canoa Quebrada, mas o que ela gosta mesmo é do céu. Do movimento dos corpos, da translação e etc. Talvez ela pudesse pesquisar sobre o assunto, se tivesse o incentivo, ou se tivesse a oportunidade. Não sei. Talvez ela seja feliz na sua função atual. Talvez tenha ...

Ziraldo e viagem sentimental por Ilha Grande

Em janeiro de 1995 pela primeira vez eu saí de férias em família. Já havia viajado outras vezes, mas acho que nunca com esse conceito de férias, de viajar de férias. Há uma diferença entre entrar em um avião para ir passar uns dias na casa dos seus tios e pegar o carro e ir para uma praia. Dormir em um hotel. Foi a primeira vez que eu, conscientemente, dormi em um hotel. Contribui para isso o fato de que, com sete anos, eu havia acabado de terminar a primeira série, o ano em que de fato eu virei um estudante. Então, é provável que pela primeira vez eu entendesse o conceito de férias. Entramos em uma Parati cinza e saímos de Cuiabá eu, meus pais, minha prima e minha avó. Ao mesmo tempo em que essas eram as minhas primeiras férias, elas eram também a última viagem da minha avó. A essa altura ela já estava com um câncer no pâncreas e sem muitas perspectivas de longo prazo. Disso eu não sabia na época. Mas ela morreu cerca de um ano depois, no começo de 1996, após muitas passagens pelo hos...

Dicas para fazer exercícios

Sair de casa e entrar em uma academia não é fácil. O ambiente por vezes é meio opressor com seu som alto, figuras meio excêntricas e outras amedrontadoras. O resultado não aparece fácil. Você muitas vezes se sente o pior dos seres humanos quando compara a sua carga de exercícios com os outros. Minha dica para fazer exercícios em uma academia é simples: leve os seus fones de ouvido, coloque uma música que você goste e contemple o vazio da existência humana. Os fones devem ser confortáveis e é importante que eles não fiquem caindo toda hora. Vou te isolar do ambiente externo, o que é algo importante. A música precisa ser a que você gosta. Não precisa ser uma música animada, agitada ou coisa do tipo. Você precisa gostar. Esses dias malhei escutando Portishead e me senti muito bem. Ninguém recomendaria escutar Portishead na academia, mas se você gostar, não deve se intimidar. A trilogia do Bob Dylan 65-66 também funcionou muito bem. Pode parecer improvável ter um bom treino escutando Desol...