Pular para o conteúdo principal

Federer, novamente uma experiência religiosa

O falecido escritor norte-americano David Foster Wallace era um aficionado por tênis e provavelmente seu maior texto sobre o assunto foi o ensaio "Federer como experiência religiosa". Escrito em 2006, auge (será?) do suíço enquanto tenista, Wallace faz uma longa contextualização sobre a evolução do jogo, dos estilos de jogo, até chegar em Federer, um desses raros casos de esportistas sobre os quais as leis da física não se aplicam.

É notória a sua descrição sobre os momentos Federer, os golpes aplicados pelo suíço que deixam os espectadores impressionados, sobretudo, pela facilidade com a qual ele bateu na bola. No seu auge Federer era exatamente isso, um cara que fazia mágica sem fazer esforço. O ápice deve ter sido aquela final de US Open contra Lleyton Hewitt na qual Federer se sagrou campeão com um sobrenatural 6/0-7/6-6/0.

Claro que surgiu Rafael Nadal, incansável, canhoto com um forehand potente e que conseguia sempre levar o jogo ao limite, saindo das questões meramente técnico e táticas para entrar na esfera psicológica e física, onde o espanhol praticamente sempre venceu o suíço. Surgiu Novak Djokovic e seu estilo assassino. A idade chegou e de repente o Andrea Seppi, o Tommy Robredo e outros tenistas medianos se viam no direito de eliminar Roger Federer em um Grand Slam.

Cortamos para o meio da semana passada quando Roger Federer e Rafael Nadal se enfrentaram em uma precoce oitava de final de Indian Wells, o quinto slam. Se ao longo dos anos houve uma maneira especial de derrotar Federer, esta maneira era forçar o jogo na sua esquerda, forçar o seu backhand - regular, mas que não chegava a ser brilhante. Claro que mesmo sem ser o mesmo de outros tempos, Nadal ainda se lembrava disso e tentou forçar o jogo na esquerda do suíço, imaginando devoluções em slice sem peso, que proporcionariam trocas de bola mais longas e uma possibilidade maior de vitória para o espanhol.

No entanto, uma após outra, todas as bolas na esquerda de Federer foram convertidas em winners. E não qualquer winner, Federer desfilou backhands com ângulos improváveis e deixou Nadal completamente desnorteado e o espectador impressionado. Eram os momentos Federer de volta, assistir Roger Federer jogar tênis voltou a ser uma experiência religiosa.

Claro que o mundo ficou impressionado com as peças artísticas em forma de backhand que Roger Federer expôs ao mundo naquele dia e esse foi um dos principais assuntos da entrevistas pós-jogo. O suíço informou que a mudança se deve a escolha que ele fez em 2014, de jogar com uma raquete diferente e mais pesada, que lhe deu confiança para executar o golpe desta maneira.

Voltamos para 2013. Após o pior ano de sua carreira, na qual ficou de fora da final de Slams pela primeira vez após 10 anos, fechou o ano com um mísero título na grama de Halle e chegou a perder para Stakhovsky em Wimbledon e terminou o ano como número 6 do mundo, Federer inovou e mudou de raquete. Naquele momento, pareceu uma loucura, uma atitude desesperada de um tenista em fim de carreira. Mas, com o tempo ele mostrou que estava certo.

Houve um momento, não podemos negar, em que passamos a torcer contra Federer. Somos sempre simpáticos aos mais fracos e adoramos os fatos incríveis e lá por 2007, 2008, não era nada demais que o suíço vencesse um torneio. Suas derrotas sim eram notícia. Após ser superado por Nadal e Djokovic, ele parecia estar meio acabado e resolveu fazer uma mudança.

Demorou um tempo, acho que foi ali por 2015 quando nós víamos um Djokovic dominante e Roger Federer sendo a única pessoa capaz de enfrentá-lo em grande nível, que voltamos a amar o suíço. André Kfouri comentou sobre isso no Us Open daquele ano "Federer gera amor". Ali não estava mais o melhor tenista de todos os tempos apenas, estava um homem experiente, que já havia conquistado tudo, mas que depois de tudo ainda era um cara capaz de lutar e exibir sua arte.

Os títulos de Slam pareceram distantes diante do tênis jogado por Djokovic e por um 2016 repleto de contusões, mas ele voltou. Aos 35 anos, o maior tenista de todos os tempos não teve medo de se reinventar para voltar a vencer. Uma exemplo de superação e que, mesmo os gênios, até eles, podem evoluir no seu trabalho e ficarem ainda melhores.

Comentários

Postagens mais visitadas

Aonde quer que eu vá

De vez em quando me pego pensando nisso. Como todos sabem, Herbert Vianna, dos Paralamas do Sucesso, sofreu um acidente de avião em 2001. Acabou ficando paraplégico e sua mulher morreu. Existe uma música dos Paralamas, chamada "Aonde quer que eu vá" que é bem significativa. Alguns trechos da letra: "Olhos fechados / para te encontrar / não estou ao seu lado / mas posso sonhar". "Longe daqui / Longe de tudo / meus sonhos vão te buscar / Volta pra mim / vem pro meu mundo / eu sempre vou te esperar". A segunda parte, principalmente na parte "vem pro meu mundo" parece ter um significado claro. E realmente teria significado óbvio, se ela fosse feita depois do acidente. A descrição do acidente e de estar perdido no mar "olhos fechados para te encontrar". E depois a saudade. O grande detalhe é que ela foi feita e lançada em 1999. Dois anos antes do acidente. Uma letra que tem grande semelhança com fatos que aconteceriam depois. Assombroso.

Imola 94

Ayrton Senna era meu herói de infância. Uma constatação um tanto banal para um brasileiro nascido no final dos anos 80, todo mundo adorava o Senna, mas eu sentia que era um pouco a mais no meu caso. Eu via todas as corridas, sabia os resultados, o nome dos pilotos e das equipes. No começo de ano comprava revistas com guias para a temporada que iria começar, tinha um macacão e um carrinho de pedal com o qual dava voltas ao redor da casa após cada corrida. Para comemorar as vitórias do Senna ou para fazer justiça com meus pedais as suas derrotas. Acidentes eram parte da diversão de qualquer corrida. No meu mundo de seis anos, eles corriam sem maiores riscos. Pilotos por vezes davam batidas espetaculares, saiam ricocheteando por aí e depois ficava tudo bem. Já fazia 12 anos que ninguém morria em uma corrida. Oito sem ninguém morrer em qualquer tipo de acidente. Os últimos com mais gravidade tinham sido o do Streiff e do Martin Donelly, mas eu nem sabia disso, para dizer a verdade. Não sab

Fã de Esporte

A vida no começo de 2005 era um pouco estranha. Eu tinha saído do colégio e passado no vestibular para jornalismo. Mas, devido ao atraso de programação provocado pelas greves, as aulas iriam começar só no final de abril. Foram quatro meses de um pequeno vácuo existencial. Talvez fosse até bom tirar um período sabático após o fim do Ensino Médio, mas seria melhor se fosse algo programado, enfim. Nesse período, boa parte da minha vida se dedicava a acompanhar a programação da ESPN Brasil. Não que eu já não acompanhasse antes, o Linha de Passe da segunda-feira era um compromisso de agenda há algum tempo, assim como o Sportscenter no fim do dia, principalmente nos dias de rodada noturna na quarta-feira. Eram tempos que a internet ainda engatinhava e o Sportscenter era uma grande oportunidade de saber os resultados da rodada. Aquela ESPN de José Trajano moldou o caráter de uma geração de jornalistas e fãs de esporte, como eles passaram a chamar seus telespectadores. Sempre gerava ironias de