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Sobre perseverança, desistência e como as coisas simplesmente acontecem

Na última quarta-feira, dia 08 de março de 2017, o Barcelona conseguiu uma das maiores façanhas futebolísticas de todos os tempos ao conseguir vencer o Paris Saint-Germain por 6x1 e reverter a derrota de 4x0 na partida de ida das oitavas de final da Champions League. O que impressionou ainda mais nesta vitória já impressionante, foram os três gols nos oito minutos finais, exterminando a folga no placar que o PSG tinha e a classificação escorreu pelas mãos dos franceses.

Claro que é preciso fazer um adendo nessa epopeia para falar da arbitragem, principalmente pelo quinto gol barcelonista, um pênalti inventado desses que chegam a ser constrangedores. Houve ainda outro gol de pênalti, marcação discutível e é justo dizer que se não fosse pela interferência do juiz, o PSG teria se classificado. Mas também é justo dizer que uma equipe que vence uma partida de ida por 4x0, não pode se colocar na dependência da arbitragem para conseguir a classificação. Ninguém pode sofrer seis gols num jogo.

Nas louvações à equipe catalã, uma das frases feitas mais destacadas foi a de que o Barcelona jamais desistiu. O técnico Luís Enrique foi elogiado por jamais desistir. A equipe estava morta aos 42 do segundo tempo quando Neymar acertou a magistral cobrança de falta e fez 4x1. Estava consolada com a eliminação quando o juiz inventou o pênalti e o placar registrou 5x1. Estava em um estado de loucura incontrolável quando Sergi Roberto se atirou na bola para conseguir a classificação.

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No dia seguinte, quinte-feira, 09 de março de 2017, passei por uma das maiores emoções da minha vida. Reencontrei Gaia, cadelinha dos meus pais que havia fugido de casa exatamente um mês antes, no dia 09 de fevereiro, enquanto meus pais viajavam. Neste interminável um mês, passei por noites com dificuldade de dormir, em um dia caminhei por quatro horas seguidas rodando o bairro em busca dela, distribui panfletos em todas as casas do bairro, de carro passei pelo bairro e os bairro seguidos uma incontável quantidade de vezes.

Achei Gaia depois de um telefonema de um encanador de uma obra realizada a 500 metros de onde ela fugiu. Fui conferir a veracidade da informação e de fato encontrei o cachorro próximo aos escritórios do canteiro de obras. Com os olhos marejados, peguei Gaia a coloquei no carro e a levei de volta para casa. Foi o desfecho improvável de uma enorme mobilização, que contou com uma infinidade de posts compartilhados nas redes sociais por amigos, pessoas que eu nem conhecia.

Ao anunciar o fim da busca no Facebook, recebi diversas mensagens de parabéns. Pessoas também falavam sobre como era bom o fato de que eu e minha família não houvéssemos desistido dessa busca.

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A importância de jamais desistir por vezes pode ser um pouco superestimada na sociedade. Grandes feitos que pareciam difíceis ou conquistados após uma longa espera sempre tem a perseverança destacada. Mas, muito provavelmente muitos desses feitos foram conquistados em momentos em que a expectativa já havia baixado.

Pelos relatos dos jogadores que participaram da partida em Barcelona, a equipe da casa já havia jogado a toalha ao levar o gol de Cavani, aos 18 minutos do segundo tempo e que obrigava o Barcelona a buscar outros três para conseguir a vitória. O time perdeu a cabeça, não criou nada de importante e em várias oportunidades esteve próximo de levar um segundo gol. O brilho individual de Neymar e o erro da arbitragem em um espaço de dois minutos e meio colocaram a equipe novamente na partida. Certamente os catalães haviam desistido durante 24 minutos. Mas, de repente a oportunidade apareceu e eles aproveitaram.

Minha situação também. Como disse, havia percorrido o bairro diversas vezes, patrocinado anúncios na internet, entrado em contato com moradores e comércios locais e todas as respostas que havia recebido eram de cachorros no máximo parecidos ao que eu procurava. Passado um mês, claramente eu já havia perdido a esperança, ou se a expressão for muito forte, já não esperava que Gaia iria aparecer um dia. Estaria atento às oportunidades, uma hora ela apareceu e pronto.

Muitas vezes as coisas simplesmente acontecem e não há muita explicação para isso, por mais que tentemos encontrar. Se Neymar houvesse cobrado a falta na barreira, se o encanador jamais houvesse visto o cartaz de procura-se em algum lugar próximo a obra, nada teria ocorrido, as capacidades de nunca desistir não seriam valorizadas. Não houve por assim dizer, uma equipe enlouquecida jogando bola na área por 32 minutos até conseguir o placar que queria. Eu não estive correndo 10 quilômetros toda manhã atrás do cachorro.

Para o bem e para o mal, as coisas simplesmente acontecem e muitas vezes não tem nenhuma explicação. Simplesmente acontecem.

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