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Antologia de George Martin

Anthology, o documentário dos Beatles, é um dos poucos DVDs que eu assisti mais de uma vez na minha vida. Todos os cinco DVDs duplos. Gosto da maneira como a narrativa é construída, das imagens raras, do material conseguido para a montagem e, claro, o assunto é a minha banda favorita em todos os tempos. Mas se o documentário fosse ruim, dificilmente teria me dado ao trabalho de assistir novamente.

As primeiras partes mostram um olhar nostálgico para os primeiros dias dos seus integrantes e para os primeiros passos do conjunto. Os shows em bares em Liverpool e em Hamburgo, as viagens em um furgão quando a fama começou a chegar, o espanto com essa fama, com o fato de tocar no Paladium. Histórias de garotos legais, vivendo uma vida que nunca imaginaram que viveriam.

Mas há uma parte especial no documentário que é justamente a que retrata o período mais fértil dos Beatles, que começou em 1965. As histórias hilárias e assustadoras sobre as primeiras experiências com as drogas e o processo criativo em estúdio. A gravação do Revolver já havia sido especial e eles resolveram dar uma pausa para viver suas vidas. George Harrison foi meditar, John foi participar da gravação de um filme na Espanha e nesse período compôs aquela que é, para mim, sua mais bela canção: Strawberry Fields Forever.

A versão em CD do Anthology é uma audição que vale muito mais pelo esforço histórico do que pelo prazer musical. Principalmente a partir do momento em que os Beatles pararam de fazer shows, os registros se concentram em demos e ensaios em estúdios. O que não deixa de ser uma oportunidade de perceber como é o processo de construção de uma música. Strawberry Fields já nasceu linda, apenas na voz e no violão de John, com uma entonação meio folk. Depois cresceu em estúdio.

Something é outra dessas canções que já nasceram impressionantes, é possível escutar o silêncio que o mundo fez enquanto George Harrison gravava aquela demo. Outras músicas não. Surgiram como um amarrado de ideias, um conjunto de improvisações e foram trabalhadas até se tornarem grandes canções. Acho isso bem perceptível em Glass Onion de John. Em Oh! Darling de Paul. Se há um grande responsável por esse trabalho de estúdio, esse alguém é George Martin.

Sir Martin ainda não era Sir mas já era um produtor de alguns hits de jazz quando conheceu os Beatles em 1962 e enxergou naqueles garotos o talento para o sucesso. Produziu todos os seus discos, exceção feita a Let it Be. Discreto, dizia que seu trabalho era enxergar a música como um todo, porque os músicos só costumam a enxergar a sua parte. Também dizia que não gostava de impor suas opiniões. Sugeria suas ideias e esperava os músicos refletirem, até imaginarem que eles haviam pensado nisso.

As participações de Martin no Anthology são sempre providenciais. Com um grande conhecimento musical e uma boa memória, ele foi o responsável por abrir o baú de masters dos Beatles e redescobrir todo aquele rico arquivo musical. E um dos grandes momentos do documentário ocorre quando o produtor retoma as gravações originais de de Strawberry Fields Forever. Assim como para mim, essa também é sua música favorita de John Lennon.

Os olhos de George Martin, que então já beirava os 70 anos, brilham ao escutar o canal em que a voz de John estava isolada e ele comenta como ele cantou lindamente. Seus dedos ainda conheciam os caminhos de cada canal, 27 anos após as gravações. A Day In the Life é outro dos momentos que emocionam o produtor. E não há como não ficar emocionado ao ver aquele cara que foi tão responsável por aquilo tudo ainda ficar emocionado com o seu trabalho, depois de tantos anos. Uma prova do poder da música, de quão eterna uma canção pode ser.

George Martin foi o cara que sugeriu a Paul McCartney que colocasse uma quarteto de cordas acompanhando Yesterday, ideia aceita após alguma relutância, e que contribuiu em muito para que Yesterday se tornasse a canção mais regravada da história. Foi ele também que deu um ultimato ao grupo, dizendo que não produziria outro disco deles se o processo ocorresse da maneira caótica como ocorreu a gravação do White Album. Foi muito responsável pelo foco na gravação do Abbey Road, o lendário disco de despedida do grupo.

George Martin morreu hoje, aos 90 anos. A música não teria sido a mesma sem ele.

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