Pular para o conteúdo principal

Leicester rumo ao improvável

Neste momento a humanidade inteira pode ser dividida em dois grupos: de um lado estão aqueles que torcem para que o Leicester FC seja o campeão inglês desta temporada. Do outro lado estão as pessoas ruins, sem coração, pessoas desprezíveis que não merecem nenhuma felicidade na vida.

Nesses meus 28 anos de vida eu nunca vi nada parecido com o que o Leicester vem fazendo na atual temporada e imagino que algumas outras pessoas mais velhas jamais tenham visto. No futebol existem zebras, é claro, mas não vejo nenhuma que se compare ao que o time azul do norte de Londres está fazendo.

O Blackburn foi campeão inglês em 1995. Mas o Blackburn recebeu um grande investimento, tinha Alan Shearer no comando de ataque, Kenny Dalglish no banco de reservas, e vinha realizando boas campanhas no campeonato inglês. Derby County, Ipswich, Burnley, vários outros times menores foram campeões nos anos 60 e 70, mas eram tempos diferentes, o campeonato inglês não era milionário e sempre foi marcado pelo equilíbrio. Só nos anos 80 que o Liverpool se consolidou como grande força e com o advento da Premier League é que as forças predominantes se distribuíram.

O Atlético de Madrid campeão há dois anos era um time forte e recebeu investimento consistente. O mesmo pode ser dito do Valencia e do La Coruña no começo dos anos 2000. Podemos ir para a Itália e ver que a Lazio campeã em 2000 era um time milionário. A Sampdoria de 1991 tinha Viali e Mancini no ataque, Toninho Cerezo. Na França nunca existiu uma força suprema sobre os adversários, as supremacias se alternam ao passar dos anos.

O Wolfsburg campeão alemão veio na esteira de grandes investimentos da Volkswagen. A zebra, mais zebra que eu vejo, é o Kaiserslautern de 1997-98, time que veio da segunda divisão e virou campeão alemão. Mesmo assim, era um time que tinha Andreas Brehme, o jovem Michael Ballack e outros jogadores com passagens pela seleção alemã. Chega perto, mas não dá pra comparar com o atual Leicester.

Olhe para esse time do Leicester City. O goleiro é o filho de um dos maiores goleiros da história, mas é justamente isso, o filho que não herdou o talento do pai, que rodou por times pequenos e que de repente aparece fazendo milagres. Na zaga nós temos um jamaicano e Robert Huth, famoso por ser desengonçado e mau zagueiro há pelo menos 10 anos. O meio de campo é recheado de promessas não cumpridas, reveladas por outros times maiores. O destaque é um francês que dois anos atrás estava em um pequeno time da segunda divisão francesa e que repentinamente se transforma em uma espécie de Makelele.

No ataque nós temos um japonês que faz gol até de bicicleta, um argelino que fez sua carreira em times da segunda divisão e que aos 24 anos aparece como o melhor jogador do campeonato inglês. O artilheiro é um cidadão que há pouco tempo era semiprofissional e que só havia feito mais de 20 gols em uma temporada quando atuava na quinta divisão do campeonato inglês. Despertou para o mundo aos 29 anos, idade em que muitos atletas já estão em declínio.

O técnico do time, veja bem, é Claudio Ranieri. Dirigiu muitos clubes e nunca ganhou nada. Rebaixou o Atlético de Madrid. Foi mandado embora do Chelsea quando o clube se estruturou para ganhar títulos. Pegou um Valencia campeão espanhol e abandonou a equipe na parte de baixo da tabela. Conseguiu não ganhar nada dirigindo a Juventus na Itália. Teve passagem esquecível na seleção da Grécia até aparecer para dirigir o Leicester.

O cenário era de um time pronto para ser rebaixado, igual ao que quase ocorreu no ano passado. Os torcedores ficariam felizes em ver a equipe tranquila na 12ª colocação. Mas as rodadas foram passando e os azuis iam se mantendo na parte de cima da tabela, liderando o campeonato, abrindo vantagem.

Imagino os desespero dos torcedores. Dessa equipe fundada em 1884 e que nunca ganhou nada. Conseguiu ser vice-campeã inglesa em 1928-29. 132 anos sem títulos. Imagino o desespero dos torcedores, pensando em que momento em que o time iria começar a perder. Sabemos como são os campeonatos. Já cansamos de ver equipes pequenas liderando o torneio no começo, brigando na parte de cima até a metade do campeonato e terminando o ano no desespero para não ser rebaixada. É o que acontece com Crystal Palace desse ano.

A angústia pela derrota, pelo fracasso que seria natural e que não veio. Faltam sete rodadas e o time está cinco pontos na frente do segundo colocado. O título é bem possível, por mais que seja difícil de acreditar.

E não falamos de um campeonato meia boca. Recheado de times fracos em que as zebras podem emergir do nada. Falamos do campeonato mais rico do mundo. Um campeonato que tem equipes milionárias, capazes de contratar quase qualquer jogador do mundo. Times comandados por Agüero, Rooney, Özil, Hazard e que podem perder para a dupla Vardy-Mahrez.

Não há como não torcer para o Leicester. O futebol pode não ser o mais vistoso do mundo, mas não importa. Todos merecemos ver que o impossível pode, por vezes, se tornar o mais provável.

Comentários

Postagens mais visitadas

O Uruguai de Pepe Mujica

Nos últimos tempos, José “Pepe” Mujica se transformou em um ícone mundial. Simpático, carismático, com boas ideias e discursos bons e bonitos, Mujica parece ser aquele avô que todos nós gostaríamos de ter, o professor que queríamos ter encontrado em algum momento, uma pessoa com quem poderíamos tomar um café e filosofar sobre a vida. Acontece que este alguém está na presidência de um país, o pequeno Uruguai, o que dá projeção mundial as suas falas. Aconteceu no épico discurso feito na ONU. Enquanto todos discutiam questões chatas, Mujica perguntava, afinal, o que queremos da vida? Mujica é um presidente incomum. Para começar, é assumidamente ateu. Não se veste com a pompa e circunstância que qualquer auxiliar de vereador tem. Utiliza suas botas velhas e seu casaco surrado. Dispensou a residência oficial dos presidente para continuar morando em sua chácara nos arredores de Montevideo ao lado de sua mulher e de uma cadela manca, enlouquecendo os seguranças. Pepe dispensa protocolos e

Copa 2014: Grupos C e D, 3ª Rodada

Itália 0x1 Uruguai A tradição diria que não se pode esperar muitos gols de um jogo entre Itália e Uruguai, principalmente quando esse jogo é decisivo para o futuro das duas seleções. Uma vitória daria uma sobrevida para os campeões mundiais, uma derrota decretaria a eliminação na primeira fase, um fracasso retumbante. O jogo foi tenso, pegado, com a Itália um pouco mais consistente, mas com o Uruguai criando as principais chances do jogo. A Itália pecou por uma dupla de ataque nula, Balotelli foi embora, mas Immobile, Cassano e quem mais estrou na frente não fez nada. O Uruguai carece de inteligência no meio de campo e tenta compensar com a raça. Marchisio foi expulso por uma tolice, Suárez deveria ter sido por uma surreal mordida - não foi, mas com certeza não vai mais jogar nessa Copa. O jogo foi decidido em uma bola parada, quando Godín, zagueiro espetacular e decisivo, marcou de nuca, deixando o fantasma de 1950 vivo na copa. Melhor jogador: Diego Godín. Costa Rica 0x0 Inglater

Usain Bolt

Usain Bolt é provavelmente o maior atletas de todos os tempos. Atleta eu digo entre aqueles que praticam o atletismo, sem um sentido amplo que englobe os praticantes de qualquer modalidade esportiva. Mas, eu não estaria exagerando se falasse que nunca existiu um esportista como ele. Bolt conseguiu transformar as provas de 100 metros em um acontecimento ainda mais especial. A prova mais rápida do mundo, que define o homem mais rápido do mundo, sempre foi charmosa, o momento máximo do atletismo. Parávamos para ver aquela disputa de dez segundo em que tudo poderia acontecer. Hoje, nós paramos para ver Bolt correr. Para ver Bolt correr durante menos de dez segundo em que sabemos que ele vai vencer, não importa o que aconteça. Pense em quantos esportistas nos motivávamos a ver um jogo apenas por ele. Pelé, Messi, Michael Jordan, Roger Federer, são poucos, que geralmente dominam esportes mais artísticos, que combinam força física, inteligência tática e habilidade extrema. Bolt faz isso e