Pular para o conteúdo principal

Antes que tu conte outro disco melhor


Tenho que dizer que eu mesmo tenho um preconceito com o rock nacional. Com o tempo, elaborei uma explicação para isso que é relacionada ao ritmo dos idiomas. Acredito que o rock combina melhor com a fluência da língua inglesa, da mesma forma que o samba fluí em português. Os meus discos favoritos do rock nacional são aqueles em que as letras casam melhor com o ritmo. Não acho que as letras em português fiquem boas com o rock com um pé na distorção, vocais abafados. Me irrita não entender o que está sendo cantando.

Assim sendo, o Apanhador Só acertou o ritmo e seu segundo disco. Antes que tu conte outra, é o melhor disco do ano que eu escutei, em qualquer idioma. Se a estreia homônima do grupo gaúcho é um disco bom, mas bobinho, Antes que tu conte outra é um disco denso, cheio de detalhes, letras enigmáticas e que melhora a cada audição. Não é daqueles trabalhos de consumo rápido e descartável. A cada vez você descobre alguma coisa nova e as músicas entram melhor nos ouvidos, tornando o disco cada vez melhor.

A faixa de abertura, Mordido, tem um ódio autêntico que me lembra Chico Buarque cantando Deus lhe pague. (O seu esquema sempre foi lograr, criar uma imagem boa pra vender, na captura do nosso querer). Parece que a balela da letra é direcionada para Pablo Capilé. Musicalmente também me lembrou o começo de Yankee Hotel Foxtrot, com seus ruídos aleatórios que logo começam a formar uma base sonora potente que culminam em uma refrão explosivo.



Vitta, Ian, Cassales começa como um samba sucateiro e termina como um folk grave e tem algumas belas passagens líricas. Lá em casa tá pegando fogo é a música mais maluca do disco e, confesso, a única a qual até agora não me adaptei. Despirocar, a música de divulgação, também tem um ódio social, com um jeito de crônica que volta a me lembrar Chico Buarque em Cotidiano. A baseé pesada e tem uma passagem no meio despirocada, de lembrar o melhor dos Mutantes.

Líquido Preto mantém uma certa tradição do rock nacional em ser bem humorado, com seu começo chocante (Pau no cu de quem não quer, dividir esse refri com minha mulher) em uma crítica a Coca Cola disfarçada de música de boy band. Não se precipite é outro grande momento do disco, com seu começo "oriental", bela letra sobre um relacionamento (não se precipite, não suponha que não foi anunciado. Gestos e olhares não são sempre suficientemente claros).



O disco segue com duas músicas mais tradicionais. Rota me lembra ali... Portishead talvez, com um refrão grandioso. Torcicolo mistura relacionamento com um quê social, do casal dormindo numa cama de solteiro e o homem indo embora como um calhorda. Nado leva a base sucateira do disco ao extremo, com um sem número de objetos fazendo a base para uma letra confusa, uma tentativa de fazer um mantra.

Por Trás me lembra um pouco Los Hermanos, com uma pergunta que faz sentido em várias situações (qual é, afinal, o peixe que tu tá vendendo?). Reinação é uma música de contornos épicos, que mistura a letra do hino nacional com um clima ainda mais bélico e parece o hino dos protestos do Brasil em junho. Aliás, o disco inteiro poderia soar como uma espécie de trilha sonora para essa época, com o incrível detalhe de que ele foi lançado em maio, antes de quaisquer vinte centavos ganharem a rua.

O disco encerra com Cartão Postal, balada acústica, melancólica e nostálgica que lamenta a passagem do tempo. Bonita, mas que encerra o disco um pouco pra baixo. Mas, com a vontade de voltar ao começo.

Comentários

Postagens mais visitadas

Fuso Horário

Ela me perguntou sobre o fuso horário, se era diferente do local onde estávamos. Sim, informei que Mato Grosso está uma hora atrasado em relação ao Ceará. Perguntou se sentíamos alguma diferença, tive que falar que não. A pergunta sobre o fuso horário foi o suficiente para uma pequeno comentário sobre como lá no Ceará o sol se põe cedo e nasce cedo. Isso é exatamente ao contrário do Paraná, de onde ela veio, onde o sol se põe muito tarde. Ela demorou para se acostumar com isso. Não é nem seis da tarde e o sol se pôs. Não é nem seis da manhã e o sol já está gritando no topo do céu. Pensei por um instante que esse era um assunto de interesse dela. Que ela estava ali guiando turistas até um restaurante não facilmente acessível em Canoa Quebrada, mas o que ela gosta mesmo é do céu. Do movimento dos corpos, da translação e etc. Talvez ela pudesse pesquisar sobre o assunto, se tivesse o incentivo, ou se tivesse a oportunidade. Não sei. Talvez ela seja feliz na sua função atual. Talvez tenha ...

Os 50 maiores artilheiros do São Paulo no Século

(Até o dia 4 de fevereiro de 2024) 1) Luís Fabiano 212 gols 2) Rogério Ceni 112 gols 3) Luciano 87 gols 4) Jonathan Calleri 76 gols 5) França 69 gols 6) Dagoberto 61 gols 7) Borges 54 gols 8) Hernanes 53 gols 8) Lucas Moura 53 gols 10) Kaká 51 gols 11) Alexandre Pato 49 gols 12) Washington 45 gols 13) Reinaldo (Atacante 2001-2002) 41 gols 13) Grafite 41 gols 15) Danilo 39 gols 15) Diego Tardelli 39 gols 17) Souza 35 gols 18) Pablo 32 gols 18) Reinaldo (o lateral esquerdo) 32 gols 20) Hugo 30 gols 21) Brenner 27 gols 22) Gustavo Nery 26 gols 23) Alan Kardec 25 gols 24) Paulo Henrique Ganso 24 gols 25) Aloísio Chulapa 23 gols 26) Júlio Baptista 22 gols 26) Jorge Wagner 22 gols 26) Michel Bastos 22 gols 26) Aloísio Boi Bandido 21 gols 30) Cicinho 21 gols 30) Jadson 21 gols 30) Osvaldo 21 gols 33) Fábio Simplício 20 gols 33) Cícero 20 gols 33) Christian Cueva 20 gols 33) Robert Arboleda 20 gols 37) Thiago Ribeiro 19 gols 38) Amoroso 18 gols 39) Adriano Imperador 17 gols 39) Fernandinho 17 ...

Uma legítima alegria do basquete brasileiro

O dia era 30 de Agosto de 2002. Já tinha visto algo sobre o Campeonato Mundial de Basquete realizado em Indianápolis - terra da lendária vitória na final do Pan de 1987. Milton Leite e Wlamir Marques estavam lá transmitindo os jogos pela ESPN e naquela tarde eu assisti os últimos minutos de Brasil x Turquia. Bem, nada como ser apresentado as loucuras do basquete de forma tão explícita assim. Aquele minuto final interminável, uma cesta de três do Marcelinho Machado no último segundo para garantir a vitória, o Milton Leite perdendo a voz na narração. Foi o início da minha jornada de sofrimento com a seleção brasileira de basquete masculino. Nesses 22 anos foram algumas poucas alegrias. Quase todas elas acompanhadas por uma enorme frustração dias depois. Vejamos os mundiais: Após essa vitória contra a Turquia o Brasil venceu Porto Rico e Angola para se garantir nas quartas-de-final. Depois, perdeu todos os jogos e terminou em oitavo lugar. Em 2006 não houve felicidade nenhuma, apenas um t...