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Rush - No Limite da Realidade

Sempre que algum filme "baseado em fatos reais" chega ao cinema, há uma imediata repercussão entre os entendidos do assunto que listam os fatos pouco confiáveis no filme. Aconteceu recentemente, por exemplo, em Argo. Como eu não sou um entendido da maioria dos assuntos que os filmes abordam, eu não tenho muitas críticas. Apenas admiro o trabalho, quando ele é bom e digo entender a liberdade autoral do artista.

"Rush", que no Brasil ganhou o péssimo complemento "no limite da emoção", narra um filme sobre um assunto no qual eu sou entendido: Fórmula 1. É um relato da disputa pelo título mundial de 1976, entre Niki Lauda e James Hunt. Aliás, mais do que isso, é um filme sobre a rivalidade mortal entre os dois pilotos. E ai que, eu passei a me sentir como os entendidos sobre os assuntos de tantos outros filmes.

Vamos direto ao que me incomoda no filme: James Hunt é colocado em um patamar muito acima do piloto que ele realmente foi. Hunt era um piloto rápido, pouco consistente, mais famoso pelo personagem que era fora das pistas: festeiro, beberrão, mulherengo. Consta em seu currículo um grande número de orgias. Ele nunca chegou perto de ser o que Lauda foi como piloto.

O diretor Ron Howard escolhe James Hunt como o seu mocinho. Hunt é colocado como o cara de talento natural, que não precisa se esforçar muito para isso. Curte a vida e ganha corridas. Enquanto isso, Niki Lauda é o chato metódico. Os dois são colocados para disputar uma corrida de Fórmula 3, que nunca existiu. Um artifício para mostrar a rivalidade dos dois como algo que vem do berço e o filme segue uma linha de pensamento segundo a qual os dois seguiram seus caminhos sempre motivados um pela presença do outro. Me parece uma besteira.

Uma cena mostra uma perseguição entre Lauda e Hunt, na qual Lauda só consegue ultrapassar graças a uma quebra de Hunt. Na sequência, ele ganha a corrida e o narrador informa que ganha também o título mundial de 1975. Besteira. Lauda ganhou o título mundial de 1975 com ampla vantagem, 5 vitórias e 9 poles em 14 corridas. E conquistou o título chegando em terceiro no Grande Prêmio da Itália, penúltima corrida do ano. James Hunt jamais foi seu rival.

A temporada de 1976 também é mostrada como uma briga mortal entre Lauda e Hunt, desde o começo. Besteira também. Lauda teve em 1976 um dos maiores começos de temporada da história da Fórmula 1 até então. Com cinco vitórias e oito pódiuns nas nove primeiras corridas, ele chegou ao Grande Prêmio da Alemanha com 31 pontos de vantagem sobre Jody Scheckter, que era o vice-líder do campeonato. James Hunt era apenas o terceiro colocado do campeonato, empatado com Patrick Depailler, 35 pontos atrás.

Lauda se acidenta no Grande Prêmio da Alemanha, quase morre e fica por fora de duas corridas. Ao final desse seu período de ausência, a diferença caiu para 14 pontos. Lauda volta na Itália e consegue um heróico quarto lugar, quando ele mal conseguia colocar o capacete na cabeça. Em mais uma superestimação da capacidade de Hunt, o filme mostra ele abandonando o Grande Prêmio da Itália quando estava na liderança. Mentira. Hunt largou na 24ª colocação na Itália e estava em 11º, atrás de Lauda, quando rodou e abandonou a corrida.

Enfim. O que me irrita no filme é essa tentativa de colocar Hunt como um cara que era parado apenas pelo azar, que perdeu inúmeras corridas enquanto estava na liderança. Como se apenas isso permitisse a vantagem de Lauda no campeonato até a última corrida. Sendo que foi ao contrário. Apenas o acidente de Lauda permitiu que Hunt conquistasse seu único título mundial naquele ano.

O filme é baseado em fatos reais, eu sei. A caracterização dos personagens está excepcional, principalmente Daniel Bruhl, sensacional. O que eu espero, é que as pessoas não passem a entender que o que ocorreu no filme foi a verdade.

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