Pular para o conteúdo principal

Pacto com o demônio

O Black Rebel Motorcycle Club é uma banda malvada. Eles já lançaram um disco cujo nome era o de um poema de Allan Ginsberg sobre atravessar o inferno. Eles já versaram sobre encruzilhadas, sobre a espera do diabo e a salvação. Em outras músicas a maldade estava apenas no som, por vezes denso e sombrio.

Escrevo isso no momento em que escuto o quinto disco da banda. Cujo o nome faz referência ao oculto, novamente: “Beat the devil’s Tattoo”. Penso que a única coisa que a banda não fez com o diabo, foi o pacto. A história do homem que vai a encruzilhada e vende sua alma ao diabo em troco do sucesso.

Eles são contemporâneos dos Strokes e não tenho medo de errar em dizer que sua carreira é muito mais relevante. Enquanto os Strokes vivem da eterna expectativa de um disco ao nível do primeiro, o BRMC já saiu da obscuridade, fez sons mais sujos, se atolou no folk/gospel/blues e depois misturou tudo novamente. E sempre com um bom padrão de qualidade.

No entanto o sucesso sempre passou longe da banda. Seus discos não vendem, a crítica especializada até gosta da banda, mas ela passa desapercebida do grande público. Por exemplo, no dia em que o novo disco da banda sai na internet, as pessoas parecem não perceber. Os discos de Ellie Goulding e Radio Dept. têm uma importância maior.

E não é a falta de músicas que poderiam ter apelo a massa. Promisse é uma linda balada ao piano que poderia estar num disco do Coldplay e seria lançada como single. Berlin é um rock classudo de fazer inveja a qualquer banda que se arrisque pelo gênero e que toque nas rádios.

O quinto disco reúne um pouco de tudo o que a banda já fez. A faixa título é o encontro do som caipira de Ain’t no Easy Way com as muralhas de guitarra de Red Eyes and Tears. Conscience Killer começa no mesmo clima mas logo se transforma em um rock direto, típicos do segundo disco. Bad Blood parece ter saído da sessões de gravação do Baby 81. E há realmente um pouco de tudo de bom (e também de ruim) que a banda já fez.

Há quando a banda soa caipira como em Howl, há momentos em que o som é quase punk como em Take Them on, on your own, há o barulho frenético, as guitarras solando ao fundo como no primeiro disco, temos os momentos arrastados típicos do EP Loaded Gun. Tudo isso junto em um disco que desde já, me parece imbátivel ao posto de disco do ano.

Mas ninguém vai achar isso. Talvez o Black Rebel Motorcycle Club seja o símbolo de uma era, em que uma nova grande banda surge a cada semana, para ser esquecida no mês seguinte. Os Beatles e os Rolling Stones sucumbiriam nesse mundo. Era em que bandas não sobrevivem ao segundo disco. Um tempo em que as músicas foram feitas para serem esquecidas. Quase não há espaço para a música que te acompanha por toda a vida. E o BRMC é uma banda para toda uma vida, uma banda de uma carreira sólida.

E o cenário atual é dominado por bandas de folk chatinho, experimentações eletrônicas e que te façam dançar. E o BRMC não vai fazer nada disso. Ele não vai te fazer refletir, ou mexer um único músculo. Mas é capaz de te dar a impressão de que você está escutando algo único. A música não tem uma importância maior do que isso.

Comentários

Postagens mais visitadas

Aonde quer que eu vá

De vez em quando me pego pensando nisso. Como todos sabem, Herbert Vianna, dos Paralamas do Sucesso, sofreu um acidente de avião em 2001. Acabou ficando paraplégico e sua mulher morreu. Existe uma música dos Paralamas, chamada "Aonde quer que eu vá" que é bem significativa. Alguns trechos da letra: "Olhos fechados / para te encontrar / não estou ao seu lado / mas posso sonhar". "Longe daqui / Longe de tudo / meus sonhos vão te buscar / Volta pra mim / vem pro meu mundo / eu sempre vou te esperar". A segunda parte, principalmente na parte "vem pro meu mundo" parece ter um significado claro. E realmente teria significado óbvio, se ela fosse feita depois do acidente. A descrição do acidente e de estar perdido no mar "olhos fechados para te encontrar". E depois a saudade. O grande detalhe é que ela foi feita e lançada em 1999. Dois anos antes do acidente. Uma letra que tem grande semelhança com fatos que aconteceriam depois. Assombroso.

Imola 94

Ayrton Senna era meu herói de infância. Uma constatação um tanto banal para um brasileiro nascido no final dos anos 80, todo mundo adorava o Senna, mas eu sentia que era um pouco a mais no meu caso. Eu via todas as corridas, sabia os resultados, o nome dos pilotos e das equipes. No começo de ano comprava revistas com guias para a temporada que iria começar, tinha um macacão e um carrinho de pedal com o qual dava voltas ao redor da casa após cada corrida. Para comemorar as vitórias do Senna ou para fazer justiça com meus pedais as suas derrotas. Acidentes eram parte da diversão de qualquer corrida. No meu mundo de seis anos, eles corriam sem maiores riscos. Pilotos por vezes davam batidas espetaculares, saiam ricocheteando por aí e depois ficava tudo bem. Já fazia 12 anos que ninguém morria em uma corrida. Oito sem ninguém morrer em qualquer tipo de acidente. Os últimos com mais gravidade tinham sido o do Streiff e do Martin Donelly, mas eu nem sabia disso, para dizer a verdade. Não sab

Fã de Esporte

A vida no começo de 2005 era um pouco estranha. Eu tinha saído do colégio e passado no vestibular para jornalismo. Mas, devido ao atraso de programação provocado pelas greves, as aulas iriam começar só no final de abril. Foram quatro meses de um pequeno vácuo existencial. Talvez fosse até bom tirar um período sabático após o fim do Ensino Médio, mas seria melhor se fosse algo programado, enfim. Nesse período, boa parte da minha vida se dedicava a acompanhar a programação da ESPN Brasil. Não que eu já não acompanhasse antes, o Linha de Passe da segunda-feira era um compromisso de agenda há algum tempo, assim como o Sportscenter no fim do dia, principalmente nos dias de rodada noturna na quarta-feira. Eram tempos que a internet ainda engatinhava e o Sportscenter era uma grande oportunidade de saber os resultados da rodada. Aquela ESPN de José Trajano moldou o caráter de uma geração de jornalistas e fãs de esporte, como eles passaram a chamar seus telespectadores. Sempre gerava ironias de