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Tópicos sobre a Seleção do Diniz

 - Tite ainda é o melhor treinador brasileiro em atividade. O salto de produtividade que a seleção deu sob o seu comando é notável. Quando ele assumiu o time nas Eliminatórias para 2018, a situação da equipe era parecida com a atual. Com o agravante de que eram duas vagas a menos.

- O trabalho de Tite foi bom, apesar de que possa ser dividido em dois momentos: foi muito bom até o título da Copa América de 2019, razoável depois disso. A equipe que arrancou para vitórias consecutivas em 2018 teve grandes atuações, momentos de espetáculo, com Neymar e Philippe Coutinho em grande fase. Uma defesa forte, meio campo articulado, ataque móvel. Após o título da Copa América de 2019, o time foi ficando mais previsível e monótono.

- Dizem que Tite ficou obcecado após enfrentar uma linha de 5 da Inglaterra em um amistoso de 2018. O que o levou a uma busca insana pelo tal jogo posicional. Acho este um marco da seleção rumo a monotonia.

- A grande crítica ao time do Tite é a falta de habilidade para lidar com o caos. O time reinou na previsibilidade, mas acabou eliminado normalmente em duas copas. Duas derrotas normais, o que talvez ajude a aumentar a raiva pela falta de bodes expiatórios claros. Mas, veja. Faltou sensibilidade para Tite lidar com situações que saiam do roteiro. Lukaku voando em cima de um Marcelo combalido, sem Casemiro para dar a cobertura. A insistência com um Gabriel Jesus que não marcava gols. A expectativa que apenas o sangue novo nas pontas, ou extremos desequilibrantes, fosse resolver todos os problemas do mundo.

- Ai é fácil comparar com Scaloni, que tentou sobreviver no caos, adaptando sua equipe a cada partida, encontrando um novo meio de campo em plena Copa do Mundo. Bem, essa é uma verdade em qualquer Copa, o único time a vencer com o mesmo 11 inicial foi o Brasil de 70. Em 1958, 94 e 2002 são famosas as mudanças no decorrer da competição que ajudaram a equipe a vencer. Ou alguém acha que o penta seria conquistado se Kleberson não entrasse no lugar de Juninho Paulista a partir das quartas?

- Bem falando agora sobre Fernando Diniz. Me parece claro que ele é um erro para dirigir a seleção. Não que ele seja mal treinador, sua conquista na Libertadores desse ano e alguns momentos de futebol brilhante mostram que ele tem muitas ideias e pode fazer a diferença. Mas futebol de seleções é diferente de futebol de clubes.

- Clube é continuidade, trabalho do dia-a-dia. Seleção é conseguir passar ideias rapidamente, conseguir em poucos treinos organizar a equipe para ser competitiva. Não chega a ser um demérito de Diniz. Acredito que Guardiola teria dificuldade. Treinadores com ideia complexas acabariam por ter mais dificuldade para gerir seleções. Fernando Diniz parece ser o treinador que precisa bater ponto no clube, treinar repetições e insistências para chegar no resultado que precisa.

- A interinidade de Diniz  torna sua escolha ainda mais bizarra. Um técnico autoral não pode entrar interinamente em uma equipe. Um técnico com ideias diferentes do seu provável sucessor não faz sentido. Qual seria o legado de Diniz, se Ancelotti assumir na metade do ano que vem e mudar tudo? Seria como deixar Niemeyer interinamente cuidando de um projeto de prédio, enquanto outro arquiteto mais convencional aguarda o fim de uma licença para assumir as ideias.

- Seria muito mais óbvio deixar um técnico mais semelhante ao Ancelotti na interinidade. Mas, não há técnico mais parecido com Ancelotti no Brasil do que Tite. Nem bom nome livre no mercado. Tudo se confunde.

- Conhecendo a CBF, não imagino que a ideia era deixar Ramon Menezes no comando, confiando que ele iria dar conta do recado. Nossa Confederação adora ser levada pelo o que deu certo em outros países. A Alemanha brilhou em 2006 com um ex-jogador sem experiência no comando da seleção, no caso o Klinsmann. O que fazer? Chama o Dunga, também ex-jogador e capitão que nunca dirigiu time nenhum. O auxiliar inexperiente Scaloni ganhou uma copa. Porque não fazer o mesmo com Ramon?

- Há a barreira do jogo. Jogo posicional e de relacionamentos, ou o que quer que isso seja. Fernando Diniz gosta de criar modelos diferentes, para que os jogadores tenham liberdade para improvisar. Nossos jogadores cada vez mais estão acostumados com modelos pré-definidos de criação de espaço por movimentações treinadas. Não dá para mudar isso em quatro dias de treino na Granja Comary.

- A seleção é cada vez mais europeia. E também tem menos identificação com o torcedor nacional. Alisson, Emerson Royal, Marquinhos, Gabriel Magalhães e Carlos Augusto; André, Bruno Guimarães, Rodrygo, Martinelli, Gabriel Jesus e Raphinha. Desses 11 jogadores, apenas André e Gabriel Jesus tem vínculos fortes com algum clube brasileiro. Rodrygo e Alisson em menor grau. Pelo menos três deles suscitam a perguntam: de onde eles vieram? No banco ainda havia Joelinton e Bremer e mais uma coleção de jovens produtos de exportação. Dificulta na identificação? Acho que sim.

- Há uma crise em algumas posições. Se na virada dos anos 90 para o 2000, o Brasil tinha Roberto Carlos titular absoluto na lateral esquerda e algumas opções como Júnior, Serginho, Zé Roberto, Gilberto, além de Léo, Kléber, Syvinho, entre outros, hoje é um pouco dolorido ver Carlos Augusto. Substituindo Renan Lodi, que parecia ser mais promissor. Emerson Royal é outra tristeza, que dá saudade do Evanilson - um dos 27 reservas do Cafu. Não há comparação nem com Daniel Alves, Maicon, Marcelo e Filipe Luís, titulares da última década.

- A camisa 9 é outro drama. O Brasil não tem um centroavante para chamar de seu. Um fazedor nato de gols. Alguém com a sede assassina de um 9 típico. Luís Fabiano e Fred, tão contestados na era pós-Ronaldo, seriam unanimidades hoje. Para cada ponta driblador, não há ninguém que goste de fazer gols. Gabriel Jesus, Richarlison... Pedro poderia ser esse nome, mas não joga bem há algum tempo e não se mostrou um goleador em nível mundial.

- Falta jogadores acostumados a decidir em seus clubes. A brigar por títulos. Aston Villa, West Ham e Newcastle são clubes tradicionais e em boa fase. Mas não ganham títulos. O Arsenal não ganha títulos. Martinelli, Antony, David Neres, Raphinha e sei lá quem mais, são bons jogadores que fazem o trabalho sujo para outros marcarem gols e brilharem. Não há comparação com os tempos em que o Brasil tinha os jogadores decisivos de Barcelona, Internazionale, Milan e outros.

- O trabalho então, é para transformar um grupo de coadjuvantes em protagonistas. E aí, o Brasil precisa começar a se construir para Vinicius Jr. Ele ainda tem mais a se provar como dono da equipe, principalmente nessa primeira temporada sem Benzema e como estrela inconteste do Real Madrid. Mas o futuro do Brasil, me parece, passa por ele se transformar no cara da equipe, em detrimento de Neymar. Rodrygo precisa crescer na seleção. Alguém precisa começar a fazer gols. E é preciso torcer para que Ancelotti consiga produzir um bom trabalho nos cerca de dois anos que ele vai ter para comandar a equipe.

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