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Sorte, azar, Verstappen e Hamilton

O grande problema da decisão tomada por Michael Masi no final do Grande Prêmio de Abu Dhabi foi a jurisprudência. Entende-se que nenhum espetáculo deva terminar com um desfile do Safety Car e o procedimento de liberação dos retardatários foi um tanto quanto confusa, mas o grande pecado é o GP do Azerbaijão.

Daquela vez, Max Verstappen estourou um pneu e estampou o muro há seis voltas do fim, jogando fora 26 pontos que pareciam garantidos. O Safety Car entrou na pista, andou por duas ou três voltas e, constatada a impossibilidade de encerrar a corrida com bandeira verde, foi chamada a bandeira vermelha, todos voltaram para o boxe e largaram para duas voltas finais, todos em condições iguais.

Dessa vez, Nicholas Latifi bateu despretensiosamente em uma das poucas partes da pista de Yas Marina que não tem área de escape. O Safety Car era óbvio e, a princípio, parecia que não daria tempo de finalizar a corrida com bandeira verde. A jurisprudência deveria balançar uma bandeira vermelha e todos voltariam em condições iguais para duas voltas. No entanto, a pista foi limpa rapidamente, a bandeira verde garantiu uma volta lança e aconteceu o que aconteceu. Hamilton foi uma zebra caçada por um leão, sem chances de defesa. Entrou com uma faca, ou pneu duro com 43 voltas de uso, em uma briga de armas, um pneu macio novo. Não havia o que pudesse ser feito.

Há esse incidente passado, fora isso, são coisas de corrida. Safety Cars anulam vantagens, jogam contra quem está na liderança de uma corrida, na maioria das vezes. Qualquer interrupção costuma a jogar contra quem está na frente, porque abre ao perseguidor a possibilidade de ser um franco-atirador.

Outras decisões de interrupções jogaram a favor de Hamilton neste ano. No supracitado GP do Azerbaijão, a bandeira vermelha deu a Hamilton a possibilidade de lutar por uma vitória que parecia impossível, diante do domínio das Red Bull. Tudo o que ele precisava era largar bem, mas um problema no ajuste dos freios o fez perder pelo menos 18 pontos. Na Inglaterra, a bandeira vermelha imediata após o toque com Max Verstappen, permitiu que ele pudesse trocar o bico do seu carro sem cair para o fim do grid, como ocorreria com uma bandeira amarela simples. No GP da Emília Romanha, uma bandeira amarela logo após ele cometer um erro e quebrar o bico permitiu que ele pudesse se recuperar e chegar em segundo. Tudo isso faz parte.

Em regra, quem está na frente não pode correr riscos. Hamilton sabe disso por conta do GP de Mônaco de 2016, quando ele resolveu aproveitar uma bandeira amarela para colocar pneus novos e perdeu a vitória para Nico Rosberg, que permaneceu na pista. Bandeiras amarelas tumultuaram completamente o tranquilo GP do Brasil de 2019. Daniel Ricciardo aproveitou a bandeira amarela na China em 2018 para arrancar do 5º ao 1º lugar.

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A temporada 2021 pôs um pouco em dúvida a teoria da inefabilidade da Mercedes. Após anos de domínio absoluto, em que a equipe parecia sempre fazer a estratégia correta, o surgimento de um adversário fez a Mercedes trocar as bolas algumas vezes. Após engolir a Red Bull na estratégia nos GPs do Bahrein e da Espanha, a Mercedes é que foi engolida na França e nos Estados Unidos. Além disso, cometeram uma bobeada histórica ao deixar Hamilton largar sozinho no grid da Hungria, enquanto todos já trocavam pneus, tirando uma vitória fácil do seu bolso. Na Turquia, os dois não chegaram a um acordo sobre o melhor momento do pit-stop e isso custou um terceiro lugar ao Hamilton. Outro pit stop em hora errada custou alguns pontos em Mônaco. Em um campeonato tão equilibrado, isso custou muitos pontos, certamente mais do que eventuais erros da Red Bull.

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A temporada de 2021 de Hamilton, talvez tenha sido a que em ele guiou de maneira mais impressionante. Sua performance aumenta a lenda. É como Senna lutando contra os moinhos de vento da Williams em 1993, ou Schumacher ressurgindo das cinzas em 2006. Há derrotas que comprovam sua capacidade mais do que as vitórias protocolares.

Depois de assombrar o mundo em 2007, mas perder o título com dois erros bobos nas últimas duas corridas, Hamilton foi campeão em 2008 com uma ultrapassagem nova curva. Não pode aproveitar a tranquilidade do título porque a McLaren fez um carro horrível no ano seguinte e Hamilton passou seus últimos anos na equipe alternando exibições de gala com erros afobados, sendo muitas vezes superado por Jenson Button.

A ida para a Mercedes deu mais do que certo e Hamilton conseguiu superar Rosberg em 2014, dando tranquilidade para atropelar o companheiro em 2015. Veio um relaxamento que proporcionou uma derrota para o companheiro em 2016, e depois, quatro títulos na sequência. Desses todos, seu melhor momento foi provavelmente na reta final de 2018, quando a Ferrari chegou a ameaçar seriamente o campeonato, com um carro melhor em várias pistas, mas Hamilton superou com grandes atuações a partir da Alemanha. Nos outros anos, os títulos foram protocolares.

Em 2021 Hamilton conseguiu uma vitória assombrosa no Brasil. Andou no limite para se recuperar na Inglaterra, na Rússia e na Hungria. Conseguiu vitórias com boas estratégias e teve uma reta final dominante, interrompida pela batida de Latifi. 

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